Olhando para o Carrefour e o Starbucks, entre outros exemplos, entenda neste artigo as diversas disparidades entre o conceito e as práticas do capitalismo consciente e ESG
“A grande onda do mercado agora é o tal do ESG (Environment, Social e Governance). Entretanto, as pessoas que chegaram a escutar sobre o “tripé da sustentabilidade”, do autor e consultor John Elkington, podem perceber certa semelhança entre os dois conceitos.
John Elkington foi considerado por alguns como o decano do movimento da sustentabilidade, que no século passado, em 1994, lançou a ideia do triple bottom line (TBL – Planet, People e Profit). Olhando para o TBT e ESG, notamos uma mudança de nomenclatura, de planet para environment (mais local e menos abstrato), de people para social (mais específico para o olhar de problemas sociais) e a mudança mais interessante, de profit para governance. Essa me parece a mudança mais significativa: lucro é importante, mas o mais relevante é saber como esse rendimento é gerado. Nesse contexto que entra a grande mudança semântica de lucro para governança. Faz parte da evolução da perspectiva do tripé da sustentabilidade a maneira de como o rendimento é gerado, optando assim pela visão de que não se pode aceitar mais lucro a qualquer custo.
Isso é um excelente exemplo da mudança de consciência. Cada vez que aprendemos algo a mais, entendemos melhor nosso impacto e nosso ecossistema de negócios. Assim, expandimos nossa consciência e atualizamos a nossa narrativa.
Essa perspectiva ajuda a melhorar as nossas práticas e reconhecer que a forma de trabalhar do século passado já não é mais adequada ao que conhecemos e para onde queremos ir como humanidade. Certamente daqui a dez ou 20 anos, teremos mais atualizações dessas narrativas importantes para o desenvolvimento do ecossistema de negócios.
No entanto, olhando para todo esse cenário, a realidade é que o ESG ainda não é suficiente para a grande transformação. O ESG faz parte do processo de desenvolvimento de um ecossistema de negócios, um passo para avançarmos naquilo que podemos chamar de um capitalismo mais consciente.
O capitalismo consciente atende a uma demanda ainda mais sistêmica. Atende às necessidades de todos os stakeholders, enquanto o ESG é um conjunto de critérios e padrões para as operações de uma empresa que os investidores socialmente conscientes usam para selecionar os investimentos potenciais. Foi criado, dessa maneira, para atender a necessidade do investidor.
No capitalismo consciente, o mundo dos negócios é um ecossistema interdependente e o ESG independe de uma causa ou intenção da organização. A meu ver, o ESG não está atrelado a um propósito evolutivo.
O capitalismo consciente está focado em cuidar do seu ecossistema a partir de um propósito evolutivo, gerando, assim, valor para todos os stakeholders. Ou seja, é diferente do ESG, que cria um peso e uma responsabilidade moral para a organização.
Capitalismo consciente promove participação e cidadania a partir de um propósito evolutivo e uma cultura responsável, criando um movimento coletivo a favor de uma causa coletiva. Já o ESG é um programa de compliance que não conecta emocionalmente os stakeholders e, dessa forma, é estanque à organização na qual se refere. Às vezes, nem se conecta com os próprios funcionários.
A extraordinária contribuição do capitalismo consciente é que esta filosofia de negócios é uma abordagem mais inclusiva e holística para entender a complexa relação entre negócios, sociedade e os demais grupos de interesse, inclusive o meio ambiente. A sua grande contribuição em relação aos outros movimentos é que está enraizado em uma mudança evolutiva – a mudança para níveis mais altos de consciência.
No ESG, os critérios ambientais podem incluir o uso de energia de uma empresa, resíduos, poluição, conservação de recursos naturais e tratamento de animais. Esses critérios também podem ser usados na avaliação de quaisquer riscos ambientais que uma empresa tem na gestão desses riscos.
No ESG, os critérios sociais consideram as relações comerciais da empresa, além do alinhamento de valores com fornecedores, destinação do lucro para doações à comunidade local, trabalhos voluntários, e assim por diante.
Com relação à governança, os investidores têm interesse nos métodos contábeis, na transparência, nas garantias de que as empresas evitam conflitos de interesse, contribuições políticas e outros temas de destinação de recursos.
Para exemplificar que o ESG é um passo no nosso processo de evolução do mundo de negócios, mas ainda não é a ideia final, vamos compartilhar um exemplo recente:
O Carrefour, que estava no índice ESG da Dow Jones (Bolsa de Valores dos Estados Unidos), foi retirado do indicador após o incidente em novembro de 2020 no qual, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, morreu após ser espancado e asfixiado por seguranças em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre. Mas esse não foi o primeiro incidente no Carrefour Brasil durante a sua permanência no Índice ESG do Dow Jones.
Em agosto do mesmo ano, um representante de vendas morreu enquanto trabalhava em um supermercado da rede Carrefour no Recife, e teve o corpo coberto com guarda-sóis e cercado por caixas de papelão, engradados de cerveja e tapumes improvisados entre as gôndolas. O corpo só foi removido após a loja fechar, mostrando que as vendas tinham prioridade sobre a vida, ou a morte.
Em novembro de 2018, um cachorro foi espancado até a morte dentro de uma loja do Carrefour em Osasco, durante o “Mês Verde”, escolhido para ser o mês de combate ao abandono de animais.
Aqui vemos que o ESG é um passo firme, mas se a organização para por aí, no compliance a intenção que deveria permear até os empregados, funcionários, clientes e demais stakeholders, não está acontecendo.
Esses foram apenas sinais que se tornaram públicos. Além do Carrefour, existem outros sinais que indicam que alguns stakeholders nunca jogarão esse jogo com a empresa. Por exemplo, quando o pagamento de sua fatura é feito em mais de 30 dias, com um “desconto financeiro” de mais de 20%, isso representa apenas um jogo de compliance, e não um engajamento real em todo o ecossistema de negócios.
Vamos com um exemplo diferente. De uma crise que se identifica a prioridade de uma organização.
O Starbucks, nos Estados Unidos, teve um caso de racismo que viralizou. Dois homens negros, que apenas estavam em uma loja como clientes, foram presos por policiais. Esses policiais foram chamados por funcionários da loja. A resposta desse incidente por parte da liderança do Starbucks foi fechar as mais de oito mil cafeterias nos Estados Unidos para treinamento sobre preconceito racial em plena terça-feira. Isso é uma demonstração clara de valores e prioridades.
A perda de faturamento do Starbucks certamente foi significativa, mas demonstra o que é prioridade para a liderança dessa organização. A empresa reconhece que esse treinamento pode não ser a solução definitiva para que isso não volte a ocorrer, mas é um primeiro passo. Compare isso com a resposta de outras organizações.
Aqui está uma diferença fundamental no que chamamos de capitalismo consciente e ESG: o ESG não funciona sozinho no longo prazo, o capitalismo consciente contribui para que essa intenção permeie toda a organização e, depois, todo o seu ecossistema de negócios.
Gostou do artigo do Thomas Eckschmidt? Saiba mais sobre ESG e capitalismo consciente assinando gratuitamente nossas newsletters e ouvindo nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.Gostou do artigo da Mirian Cruz? Ouça o podcast “”O Varejo e sua metamorfose ambulante“” da Change Cast da IBM. Além disso, assine gratuitamente nossas newsletters para saber mais sobre o mercado do varejo.””